DIÁRIO DE GUERRA
Série do livro Guerra
1º – Ano Novo
Os fogos aqui são de artifícios.
Música: War, Goran Bregovic - Underground, 1995.
2 – justaposição
entre os paredões desta cidade
um canto
nesse território que insistem em dizer ser o meu
apenas o corpo escreve – minha primeira e única morada
nesse lugar há
pedaços de história – penas ambições diamantes
evoco os poetas dessa terra
a aliarem-se à minha guerra
lírica
toda batalha tem o seu herói
resta saber qual será minha valia
ao justapor corpo-cidade-poesia.
3.
De que guerra me fala? De quem? Contra quem?
Quando?
Emigrei de uma terra em batalhas a céu aberto.
Hoje, com a ponta de um lápis, numa língua estranha,
escrevo a história da minha libertação.
Calço uma máscara à procura da dissolução.
A guerra pela liberdade é uma luta exterior, na superfície.
A vida talvez seja a encenação do desespero,
alguém disse isso hoje.
4.
Às vezes você me olha e eu te acho parecido com os personagens incompreendidos do Bergman. Com aquela inocência em choque e encantadora de quem não entende o que se passa ou quer deixar claro que não deveria entender.
... E ontem depois de tudo aquilo me deu vontade de chorar?!
É, foi... Vi o quanto fomos pusilânimes. Não era pra eu ter te agredido. Admirei a sua reação e te admiro a cada dia. Desculpe-me pela minha tpm.
Você é um dragão sensível, quimera romântica. Pena que entre nós tudo seja tão intenso, tão imenso, tão mítico, tão raro. Precisamos de um tempo para digerir tudo, a cada vez. Mas, amo, definitivamente.
5.
Calor demais. Vou te sequestrar. ecolha os objetos que te cercam para suportar três dias num cárcere, para confortar seu corpo: poema, água, lenço, travesseiro, chave, esferográfica.
Com tais objetos posso por amor te assassinar.
Ou serei mais pacífico?
Sei lá, às vezes dá vontade de jogar tudo pro alto e ir pro Timor
Leste.
8.
A escrita autobiográfica irrompe aos lampejos violentos do dia a dia em guerra, aos desconcertos teórico-filosóficos.
O nome da personagem que se enuncia aqui é Pedra – munição de catapulta – e Gustavo – bastão de combate – e uma mulher no porão de soslaio na escada e um moço em meio às gavetas a buscar reminiscências de vidro e táticas de guerrilha.
Abaixo a guerra dos sexos.
A guerra aqui é diferente da guerra no Iraque ou Hiroshima ou Herzegovina? Ou __________ ?
Haveria território neutro?
Toda guerra, no fundo, é amor?
Toda guerra é civil.
O poder por amor? A palavra para amar?
Guerra de espelhos.
Eis meu modus vivendi:
guerra na garganta
e você
a escutar.
9.
Meu grande amigo,
companheiro de batalhas cotidianas,
sinonímia de amor e guerra.
Meu corpo encena uma literatura frágil,
inocente.
Partejo para ti semas semanais sem a preocupação de um poema.
11.
É o último aniversário com o meu nome de batismo. Neste belo horizonte, janeiro chora o que dezembro desata. As rosas murcharam.
Está quase tudo morto por aqui.
A partir de amanhã uso um nome de guerra e parto.
Acordei pensando que nascemos morrendo.
Ultrapasso as palavras escritas aos trinta, pois é sempre, sempre outra coisa. Por vezes tudo se ilumina:
nessa guerra fria sinto a falta de armas e de não ter invadido outros territórios. Rio de Janeiro é sempre um lugar a se atracar.
As linhas imaginárias dos mapas tentam em vão definir uma identidade, como eu aqui, agora, me desenhando em sinuosos signos: uma coisa coberta de nomes.
Imagino que Nova York seria um bom habitat e
tateio os limites entre mim e você.
23 – Google Soneto
tragedia no eu
tragedia no rio de janeiro
tragedia no oriente medio
tragedia no coliseu
tragedia no haiti
tragedia no ar
tragedia no fundo do mar
tragedia no lar carlos drummond de
tragedia no planalto
tragedia no teatro
tragedia no asfalto
tragedia no
tragedia nova
tragedia nova york
30.
dormir o monstro que ora vem me habitar e
arranca de mim o resto de juventude
não sei mais o que poderei te dar – este livro, talvez
sinto-me impotente
quando a guerra acaba?
não mais escreverei.
.